28/12/2011

Natal, a festa da vida

Como médico que era, São Lucas investigou com precisão os mo­mentos mais significa­tivos da história de Jesus Cristo e, como não poderia deixar de ser, foi às testemunhas oculares mais importantes.

De Nossa Senhora certa­mente ouviu o episódio que conhecemos hoje da concepção de João Batista, que ocorreu algum tempo depois do anúncio do arcanjo Gabriel ao seu pai, Zacarias. A revelação divina que lhe fez o arcanjo – “desde o ventre da mãe ficará cheio do Espírito Santo” – permite-nos concluir que a identidade dessa criatura concebida no útero de Isabel é de uma pessoa, aquela que preparou o caminho do encontro da huma­nidade com o Senhor do céu e da Terra, o Filho de Deus vivo.

Também dela, o evangelista conheceu o tempo exato do envio divino do mesmo arcanjo Gabriel a uma aldeia da Galiléia chamada Nazaré. “Quando Isa­bel estava no sexto mês”, Maria ouviu a mensagem de Deus que lhe revelava a maternidade única que ela iria ter: “Conceberás e darás à luz um filho, e lhe porás o nome de Jesus (...) aquele que vai nascer será chamado santo, Filho de Deus”.

Dos pastores que tomavam conta do rebanho na região próxi­ma da gruta de Belém, São Lucas soube que eles foram os primeiros que receberam a notícia jubilosa do nascimento temporal do Filho eterno de Deus. “Eu vos anuncio uma grande alegria, que será também a de todo o povo: hoje, na cidade de Davi, nasceu para vós o Salvador, que é o Cristo Senhor!”

Para quem estudou medicina não se tem a mínima dúvida de que a concepção, efeito biológico imediato à fecundação, traz à história do mundo um novo ho­mem ou uma nova mulher, isto é, uma nova e inigualável pessoa, um filho ou uma filha que sem­pre terá com os seus genitores um vínculo natural, ainda que seus pais não queiram alegrar-se com essa “novidade” em suas vidas.

Na proximidade da come­moração do Natal, salta à vista o sentido pleno da concepção e do nascimento de um filho, de uma filha, que não é outro senão o “novo e o eterno” que entram na história de pessoas já concebidas, já nascidas, já anteriormente reconhecidas e acolhidas, e esta entrada dá-se num preciso ano da história da vida de seus pais, dos seus avós, dos seus bisavós, etc.

Quando os pais e parentes to­mam consciência de uma gravi­dez, já está o “novo e o eterno” ser humano presente como alguém que começou a sua história de vida e que existirá a partir de sua concepção como protagonista de um processo unitário e global, que no tempo tem uma orienta­ção para a eternidade.

É verdade que a vida temporal não é a última realidade, mas sim a penúltima. Em todo caso trata­-se de uma realidade sagrada, que foi confiada à própria pessoa e aos seus pais para ser vivida com sentido de responsabilidade e com amor conceituado como dom de si.

No Natal não se pode ocultar uma sombra, a do sofrimento humano, que parece turvar a luminosidade da vida oferecida por Deus como um dom. É nova­mente o médico São Lucas quem, pesquisando com Nossa Senhora como foram os dias seguintes ao seu parto virginal, ouviu-a contar que ao se completaram os dias da purificação – 40 dias – leva­ram o Menino recém-nascido a Jerusalém para ser apresentado no Templo. Aí, diante de um homem justo e piedoso, Simeão, ela e São José conheceram a dor que acompanharia a sua maternidade: “Ele será um sinal de contradição, e uma espada transpassará a tua alma”.

Por causa dessa previsão, um médico, que é formado para salvar vidas, para curar doenças e para aliviar as dores pessoais, ao ter diante de si a sombra do sofrimento e da morte procura reagir com uma atitude digna da sua profissão: eliminar as espadas que transpassam a alma humana. Nunca e jamais deveria eliminar as pessoas que sofrem, tirando-lhes a vida. Nunca e jamais os médicos devem permitir que a dignidade da medicina fique manchada ou degradada por aquelas pessoas ou por aquelas ideologias que querem promover na humanidade a cultura da morte.

A medicina é a arte de curar (ars curandi), não de matar! Os médicos são também pessoas humanas que um dia foram con­cebidas e nasceram como “o novo e o eterno” presentes na história de pessoas que já existiam e não foram mortas, e tampouco foram abandonados ou marginalizados por causa de alguma anomalia física ou mental.

O Natal é a festa da vida e, consequentemente, é a festa do sim ao novo e ao eterno intro­duzidos no mundo! Acredito também que o Natal é a festa da medicina e da cultura da vida, que tem nos médicos e nas médicas, nas enfermeiras e nos enfermeiros, nos juristas e nos políticos, nos gestores da cultura da humanidade, os seus promotores de vanguarda.

Porque é a festa da vida cabe aos médicos e demais profissio­nais da saúde serem os constru­tores de uma cultura marcada prioritariamente pelo valor do ser sobre o ter, pelo interesse pelos outros sobre a recusa dos outros, pelo reconhecimento das pessoas, especialmente as mais frágeis, como um dom precioso sobre a acusação das mesmas como pessoas intrusas, inesperadas e inconvenientes.

Cabe também aos estudantes de medicina e de enfermagem, aos estudantes de Direito e de relações internacionais resisti­rem a essas pressões ideológicas que querem comprimi-los no es­treito espaço de um pensamento científico débil e enganoso. Tal modo de pensar quer introduzir na formação acadêmica o des­lumbramento pelas possibili­dades infinitas que o progresso das ciências, da tecnologia e da cultura proporcionam, quando na verdade o que se pretende é negar à inteligência humana a possibilidade humilde de racio­cinar como criatura e não como Criador, como servidor da vida humana e não como predador da humanidade.

O Natal surge no final do ano como um horizonte do qual emerge uma luz esplendorosa, a luz da verdade sobre o valor inestimável e sagrado da pessoa concebida certamente graças a um processo biológico, mas, sobretudo, por uma vontade sábia, amorosa e livre de Deus.

“Façamos o ser humano à nossa imagem e segundo a nossa semelhança” (cf. Bíblia Sagrada, Ed. CNBB, oitava edição) é uma revelação inequívoca a respeito da verdadeira origem, dignida­de e destino de cada pessoa; é uma frase que ilumina o valor e o sentido do “novo e o eterno” que vem para enriquecer e em­belezar o que já existe dentro da humanidade há muitos séculos.

Certamente, o futuro da humanidade tem no Natal aquele “solo musical” que cha­ma a atenção dentro de uma sinfonia, quando o seu tema é confiado a um só instrumento ou a uma só voz. O que irá acontecer amanhã dentro da civilização humana dependerá muito da interpretação que se dará à celebração natalina, pois esta festa revela-nos que graças à concepção do Filho eterno do Pai por obra do Espírito Santo e pela resposta afirmativa de Maria, a Palavra de Deus “já não é apenas audível, não pos­sui somente uma voz; agora a Palavra tem um rosto, que por isso mesmo podemos ver: Jesus de Nazaré” (cf. Ex. Ap. Verbum Domini, n. 12).
Dom Antonio Augusto Dias Duarte - Bispo Auxiliar da Arquidiocese do Rio de Janeiro